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CONAMP CONTRA PEC 37

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25Presidente da Conamp

Norma Cavalcante diz que MP tem ‘dever de gratidão’ com o povo por derrubada da PEC 37

Por: Cláudia Cardozo

A baiana Norma Cavalcante, primeira mulher a se tornar presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), esteve à frente da luta pela derrubada da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37 em 2013, para seu ‘privilégio ou azar’. Em entrevista ao Bahia Notícias, a presidente da associação conta como foi toda a mobilização junto aos parlamentares para derrubar a PEC. “No primeiro momento, nós tínhamos a certeza que íamos perder. Nós não tínhamos voto perdido, tínhamos voto trabalhado”, conta Norma. Segundo ela, a Conamp nunca foi contra a regulamentação, mas não concordava com a retirada do poder de investigação. Sem o poder para abrir inquéritos e fazer investigação criminal, os membros do MP, em seu entendimento, seria “meros burocratas”. Ela reconhece o poder das mobilizações sociais para derrubar a proposição, e por isso, o MP, hoje, tem o “dever de gratidão para com o povo brasileiro e prestar um serviço de qualidade a cada dia que se passa”. Após a derrubada da PEC 37, Norma diz que o Ministério Público ainda sofre outros tipos de investidas para diminuir seu poder de atuação. “Quando nós pensávamos que estava tudo caminhando para um final do ano pacífico, aí surge a Resolução do TSE [Tribunal Superior Eleitoral], que nos proíbe de fazer investigação eleitoral”, diz. Com a resolução, os membros do MP só podem fazer investigações sobre crimes eleitorais com autorização da Justiça, apesar da Constituição Federal garantir o poder aos promotores e procuradores de requisitar e de abrir a investigação, inclusive nos casos eleitorais. Outra retaliação vem nos cortes orçamentários, como aconteceu em Alagoas. “O Ministério Público de Alagoas vai passar sérias dificuldades. Eles estão há 19 anos sem poder fazer um concurso, devido ao orçamento”, afirma. “A luta do MP é diária para manter suas atribuições e consolidações”, pondera.

Bahia Noticias: A senhora esteve à frente, desde o início, através da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) da luta contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37, que queria limitar o poder de investigação do Ministério Público. Como foi essa luta em Brasília? Depois dela, surgiram outras propostas para reduzir a atuação do MP?

Norma Cavalcante: Foi uma luta árdua. E eu tive o privilegio ou o azar de estar na frente da associação daquele período, pois o presidente estava licenciado. Eu era a primeira vice-presidente da Conamp na época. Eu assumi agora como primeira mulher presidente da Conamp, depois de 60 anos de fundação da instituição. Nessa luta contra PEC 37, nós fomos para o enfrentamento. No primeiro momento, nós tínhamos a certeza que íamos perder. Nós não tínhamos voto perdido, tinhamos voto trabalhado. Fomos ao Ministério da Justiça e propomos um diálogo entre o Ministério Público, os delegados e o parlamento. O presidente da Câmara, Henrique Alves, formou uma comissão. Eu sinalizei, desde o início, que nós não éramos contra a regulamentação da investigação criminal. Mas eles não queriam. Eles queriam, e tinham certeza de que venceriam no voto, a retirada do poder de investigação do MP. Nós trabalhamos desse jeito. Foi um trabalho de voto a voto, conversando com parlamentares. Tinha dia que eu colocava 100 promotores dentro do Congresso Nacional. Todas as lideranças do Ministério Público foram convocadas para trabalhar, porque se não, nós íamos passar a ser o que éramos antes da Constituição de 1988. Nós seríamos meros burocratas, trabalhando sem o poder de investigação. Isso ia nos matar. Os movimentos sociais, as igrejas, tanto católica, quanto evangélica, nos apoiaram. Das grandes instituições, só a Ordem dos Advogados do Brasil [OAB] que não nos apoiou.  De todas as outras, tivemos o apoio.  Para nossa surpresa, no mês de maio houve uma movimentação contra a PEC 37. Então, foi mais um mês de negociação. Aí, quando eu dei um ‘não’ para o ministro da Justiça, de que a gente não ia aceitar acordo, os movimentos sociais já estavam nas ruas. Como fomos criados em 1988 para defender a sociedade, o que nós entendemos é que ela foi às ruas para nos defender. Hoje, nós temos um dever de gratidão com o povo brasileiro e para prestar um serviço de qualidade a cada dia que se passa, pois nosso serviço é de suma importância para ter essa credibilidade. No meu discurso de posse, eu disse que a credibilidade do MP deve ser considerada como um patrimônio da nação – para quem nós trabalhamos e somos pagos para defender o estado democrático de direito e a própria República.

BN: Depois que a PEC 37 foi derrubada, a visão da sociedade perante o MP mudou?

NC: Quem mais mudou fomos nós. Até para atendermos mais as demandas da sociedade. Nós olhamos a sociedade da forma que vimos, da importância que a sociedade nos dava, e que nós tínhamos que corresponder a isso aí. A partir desse momento, abrimos o diálogo com todas as frentes, até com o parlamento, porque passamos um tempo sem dialogar. Eu comecei a defender o diálogo não só com o parlamento federal, mas também com o estadual e municipal. Além dos executivos municipais e estaduais. Nós visitamos todas as instituições. Tivemos o apoio de todas as associações do Judiciário, todos os ministros foram unânimes em nos apoiar, e nós ficamos – até assim – mais fortalecidos em servir. A PEC serviu para revigorar nossa instituição. A partir daquele momento, passamos a ter mais coragem.  E quando nós pensávamos que estava tudo caminhando para um final do ano pacífico, aí surge a Resolução do TSE [Tribunal Superior Eleitoral], que nos proíbe de fazer investigação eleitoral. As associações se uniram, a imprensa pautou essa reunião. Nós reunimos todas as associações do MP e emitimos uma nota de repúdio, quando dissemos que a resolução era exótica, e que não sabíamos quais iam ser as consequências. Nós fomos para o enfrentamento, porque, para investigar crimes graves de corrupção, compra de votos, nós temos que pedir autorização ao Judiciário. Mas a própria Constituição nos diz que nós temos o poder de requisitar e de abrir a investigação, inclusive nos casos eleitorais. O procurador-geral da República entrou com um pedido de revisão, que até o momento não foi acatado, e ele ingressou com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) contra essa resolução. Quando estamos pensando que estamos melhorando, no estado de Alagoas, em clara retaliação – porque a Procuradoria investigou o Executivo estadual e pediu afastamento de toda a mesa diretora – logo em seguida, rejeitaram a proposta de orçamento do Ministério Público, que estava dentro da legalidade, ao ponto do governador reconhecer a ilegalidade da redução. Passaram o orçamento tirando a parte do Ministério Público, e o governador vetou. Para nossa surpresa, o veto foi derrubado pelo legislativo. O Ministério Público de Alagoas vai passar sérias dificuldades. Eles estão há 19 anos sem poder fazer um concurso, devido ao orçamento. A luta do MP é diária para manter suas atribuições e consolidações. Na posse, eu disse que meu principal objetivo era esse, consolidar as nossas garantias e prerrogativas com altivez. Não podíamos nos quedar-se a qualquer poder, mas tínhamos que abrir o diálogo com a sociedade como um todo, inclusive com os poderes constituídos, sempre defendendo o ordenamento jurídico.

BN: Porque a OAB não apoiou a luta do MP na derrubada da PEC 37?

NC: Eu acho que foi uma questão política envolvendo o Ministério Público de São Paulo. A OAB diz que algumas seccionais votaram favoráveis. Mas fomos lá, abrimos o diálogo. Hoje continuamos amigos da OAB e aquele foi um momento em que houve um dissenso daquelas opiniões.

BN: O MP sofre diversas investidas contra sua atuação. Em muitos casos, essas investidas e atentados são contra a própria vida. O que o Conamp tem feito para garantir a segurança dos promotores e procuradores de Justiça?

NC: É um atentado até para a democracia, ao Estado Democrático de Direito. A garantia de proteção de cada promotor, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) tenta disciplinar. Cada Procuradoria é que faz a proteção individual, tem sua assessoria militar, mas todos os colegas sentem que não há assim uma proteção. Recentemente tivemos um promotor morto em Pernambuco, tivemos um promotor que foi assassinado dentro de um fórum. Em Minas Gerais, um promotor foi morto porque investigava a máfia do combustível. Ele foi assassinado em praça pública. Então, é uma luta nossa constante. Vários promotores no país estão sob segurança. Estamos fazendo o levantamento de quantos estão com escolta. Temos vários colegas que estão com escolta e segurança permanente, principalmente aqueles que atuam na área de improbidade, na área criminal, na área de meio ambiente. Eles são visados pelo poder econômico, pelo crime organizado, pelo tráfico de drogas. Mas nós nos orgulhamos que, dentro das instituições, nós somos a que menos nos desvirtuamos. Nossos casos de desvio de conduta são bem menores do que nas outras instituições. Não sei se é o próprio cargo que nos dá essa força para podermos trabalhar.  Porque, muitas vezes estamos sem segurança nenhuma, mas temos a coragem de trabalhar, com o nosso cargo e com nossa caneta, de fazer um trabalho para a população.

BN: O CNMP fortalece a atuação do Ministério Público?

NC: O Judiciário não concordava com o conselho. Nós sempre defendemos o conselho. Nunca fomos contra. Tanto que discutimos o que é o conselho, para que ele veio. Eu acho que o CNMP tem deixado de ser uma grande Corregedoria e se transformando, realmente, em um órgão de fortalecimento do Ministério Público de forma macro, com planejamento estratégico, defendendo nossa autonomia financeira e institucional. Ele vem para fortalecer e engrandecer o MP brasileiro. Hoje nós não vemos mais o Ministério Público sem o CNMP.

BN: Como os MPs podem pleitear mais recursos? Algumas comarcas e Promotorias ainda não estão estruturadas no interior da Bahia.

NC: A guerra é institucional entre Procuradoria e Orçamento. A gente sabe que em épocas de crise, o dinheiro fica curto. Mas qual é a dúvida hoje: nós ingressamos com uma ação de inconstitucionalidade, e o Judiciário tem direito a 6% da Lei Orçamentária, e o MP só tem direito a 2%. Essa guerra sempre vai existir, porque estamos sempre na contramão. Colocam um juiz em uma comarca e querem que a gente coloque um promotor. Custa dinheiro, porque temos que levar servidores, adaptar imóveis, e depende de recursos. Hoje, a gente luta para que haja uma elevação do coeficiente do Ministério Público para prestar um melhor serviço para comunidade.

BN: Quais são as principais reivindicações dos promotores e procuradores de Justiça?

NC: O que mais reclamam é a valorização da carreira através de um subsídio justo. Não é que ganhamos pouco, mas já estamos com 30% de defasagem salarial. E com a vinda do subsídio, nos perdemos o Adicional de Tempo de Serviço (ATS). Nós entregamos o ATS com a garantia de que nosso salário fosse corrigido de acordo com a inflação. E isso não ocorreu. É uma forma também de nos pressionar sobre nossa independência.  É diminuir seu poder aquisitivo e seu poder de manter uma família com dignidade. Não com riqueza, mas com dignidade. Nós temos que ter um carro simples, uma casa, até por nossa segurança. Essa defasagem tem feito o MP e a Magistratura deixarem de serem carreiras profissionais atrativas. Várias atividades privadas têm levado muitos de nós. Em seis anos, de acordo com um levantamento feito em São Paulo, mais de 600 pessoas largaram a carreira no Ministério Público e na magistratura para ingressar na atividade privada. O que a gente pede é isso, segurança, subsídio, condições dignas de trabalho. Nós não temos um orçamento para instalar uma Promotoria em todos os municípios e que atenda melhor a população. É uma guerra constante para fortalecimento de nossas garantias e atribuições. A carreira é árdua, mas é bonita.

BN: Os membros do MP que ingressaram na carreira depois de 1988 não podem se candidatar a um cargo político e manter o cargo, mesmo com o afastamento. O que a associação tem feito para que os promotores de Justiça possam se candidatar a cargos políticos públicos?

NC: Com a Emenda 45, nos perdemos a capacidade passiva eleitoral. Antes da Constituição de 1988, nós tínhamos 45 parlamentares ligados à atividade do Ministério Público. Hoje, nós só temos dois, que é o Vieira da Cunha, que vai largar para se candidatar ao governo do Rio Grande do Sul, e Carlos Sampaio, que é do MP de São Paulo. Tem o senador Pedro Taques, que teve que pedir demissão para se candidatar ao Senado, porque ele ingressou no MP depois de 1988. Essa PEC é uma luta nossa, e a Conamp, na época, concordou com a equiparação com o Judiciário, para a gente perder a capacidade eletiva. Hoje, a gente vê que é uma necessidade. A PEC 392/2014 reestabelece a capacidade passiva eleitoral. Assim, nós vamos poder nos candidatar a qualquer cargo, se passar, a qualquer cargo eletivo, sem pedir demissão do cargo, só com o afastamento. Já que todas as carreiras como defensoria, delegados e advogados têm parlamentares dentro do congresso, e nós estamos perdendo muito. Nós somos uma população pensante, que podemos ajudar com o nosso pensamento e defendendo sempre o Estado de Direito e a República. E lutando sempre pela política verdadeira, de ajudar a população brasileira, por estar mais próximo da voz da sociedade.

BN: E como é ser a primeira presidente mulher da Conamp?

NC: Eu devo isso, em parte, aos colegas da Bahia, porque eu já fui eleita por três vezes como presidente da Ampeb [Associação dos Membros do Ministério Público da Bahia], e agradeço a confiança.  Eu não posso errar, porque eu tenho que ser um espelho para que outras mulheres almejem a política institucional. Como diz Tancredo Neves, fazer política, na essência pura, ‘é uma das funções mais nobres de um povo’. E a política institucional nos leva a isso, ao engrandecimento de uma instituição. Mas assim, as mulheres correm, porque você tem que deixar casa, é uma luta muito grande. Eu já tinha exercido por duas vezes a vice-presidência, já tinha sido tesoureira da entidade, e nessa eleição para presidência eu disse: ‘eu vou’. Antes, eu tinha sido a candidata mais votada nas eleições para procuradora-geral de Justiça da Bahia, mas eu não fui escolhida. E isso me levou a voltar para associação, e ingressar no mundo associativo. Estou nisso. Eu gosto. Pensava que não gostava, mas vejo que gosto. Nós podemos ser as donas de nossos destinos. Se nós almejarmos , nós conseguimos. Nós temos o mesmo poder dentro do Ministério Público. Dentro das carreiras jurídicas, não há diferença salarial,  de nada. Nós somos iguais perante a lei e podemos exercer qualquer cargo do Ministério Público, e dentro do Judiciário também, em tese.

BN: O numero de mulheres no MP é proporcional ao dos homens?

NC: Nós não temos esse dado preciso. Mas é pari passu. Hoje, a Conamp agrega 16 mil membros. Eu acho que são 50%, meio a meio. Mas nós somos a maior associação do Ministério Público, com membros dos MPs estuduais, do Distrito Federal, e Militar.  Mas nós trabalhamos unidos com as demais associações, porque não podemos nos apartar. As três associações estão ali, juntinhas.

 
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